segunda-feira, 31 de março de 2008

Fichamento do livro: O século XX Volume I: O Tempo das Certezas da Formação do Capitalismo à Primeira Grande Guerra.

Francisco José Calazans Falcon é professor titular de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense. Ele escreveu este livro por volta do ano 2000.
Uma hipótese defendida pelo autor é a de que não estamos no fim da história do capitalismo, este não apresenta uma tendência á autodestruição, como foi abordada por Schumpeter, baseando-se na visão marxista.
O autor começa analisando os conceitos que estão presentes na visão capitalista, como por exemplo, o de mercado. Primeiramente ele diferencia o mercado em que as pessoas fazem compras do mercado como “campo de atividades, mais ou menos institucionais, distribuídas por variados tempos e/ou lugares, segundo objetivos e regras aceitos por todos aqueles que delas participam.”
Segundo ele a novidade que o capitalismo cria na noção de mercado é a auto-suficiência do mercado, ou seja, ele funciona independente da atuação e intenção dos indivíduos que dele participam. Essa é a concepção clássica de mercado. O autor cita A. Smith, pois este “atribui o funcionamento perfeito e imprescindível do mercado que lembra o mecanismo de um relógio, à mão invisível da providência”. Porém ressalta que há críticas a esta visão de mercado.
O comercio é a troca real das mercadorias por outras, possibilitado pela moeda, meio que permite estas trocas. Uma das funções do mercado seria regulamentar a oferta e a demanda dos produtos. Ele é um sistema de dimensões alteráveis que contém todos os mercados concretos.
Falcon critica a visão de que já existiria capitalismo ou mercado mundial capitalista no século XVI. O que realmente existia nesta época era o modo de produção capitalista como “produção visando lucro num mercado ou ainda a busca e a realização do lucro através da comercialização de mercadorias”.
Ele aborda duas interpretações possíveis para o período:
1) Tratar as disputas dos estados modernos como disputas que marcadamente visavam o lucro mercante e financeiro, como por exemplo, nos antigos sistemas coloniais. Os séculos que antecederam a Revolução Industrial são tratados como pré-capitalistas e tem uma acumulação primitiva de capital.
2) Tratar a história marcada pela produção capitalista, por modos de produção específicos, fazendo com que esta seja uma totalidade.

O autor divide sua análise em duas partes: a época pré-capitalista (séculos XV/XVI ao XVIII) e a época capitalista (XIX e XX). A época pré-capitalista se define pela predominância da agricultura, pois 80% da população vive em zona rural e a produção de bens agrícolas supera a industrial; pela precariedade do transporte que são caros e não atendem devidamente a demanda, pois são mal conservados e perigosos; pela indústria de bens de consumo, como vestuários. Este período é marcado por crise agrícola que resulta em peste e fome, porém esta crise era, segundo o autor, em sua maioria regional.
A etapa capitalista é marcada pelo predomínio da produção industrial, os transportes são cada vez mais rápidos e eficientes, tornando o mundo cada vez menor e especializado. As crises são de baixa ou de alta produção. As novas crises capitalistas têm demarcações periódicas e são assinaladas por períodos de prosperidade e depressão.
O autor argumenta que a constituição do mercado internacional envolve não só a economia, mas também a política, e a cultura que se articulam na expansão européia.
Outro conceito definido pelo autor é o termo Europa, que ele mostra ser historicamente definido. Na Idade Média o termo Europa definia os homens que seguiam o cristianismo mais especificamente que eram regidos pela Igreja Católica Romana. Com o Grande Cisma do Ocidente, os cristão gregos não eram chamados de europeus a não ser a partir das Cruzadas e da guerra de reconquista. No Ocidente o europeu se diferenciava dos muçulmanos, mas apesar da discriminação de ambos os lados, havia intensa troca comercial e cultural. Os turcos eram pouco conhecidos pelos ocidentais, por isso para o autor, eram mais propícios para a criação de mitos e lendas. Neste ponto ele ressalta a idéia de que estudamos mais a história focando a Europa do que a de nossos próprios paises.
A respeito do Império Bizantino, Falcon destaca que “a dissolução do império do Majopahit, hinduísta, no arquipélago que viria a ser a Indonésia atual, criou vários outros centros de poder rivais em termos políticos e religiosos.”
O autor enfatiza também que não havia só os reinos ou estados europeus, mas que no século XVI também estavam presentes pelo menos três grandes impérios, o chinês, o indiano e o turco, entre outras regiões importantes. Em face dessa situação a Europa ou economia do mundo européia era extremamente restrita a uma pequena área. Porém a expansão do domínio europeu levou a conquista do mercado internacional.
O termo expansão européia está, de acordo com o autor, datado pela historiografia do século XIX até metade do século XX e representava relatos de viagens e conquistas dos europeus para fora dos seus paises de origem. Está historiografia que caracteriza os habitantes como pacíficos em relação as conquistas, começa a cair em desuso principalmente depois do processo de descolonização. Termos como colônia de povoamento e exploração também passam a ser questionados, pois os circuitos mercantis regionais como, por exemplo, na África ganham importância.
A seguir o autor passa a analisar a construção dos estados modernos, mostrando a centralização por parte de príncipes e reis e o domínio sobre os senhores de terras. Aponta também a diferença na estrutura econômica que não deixando de privilegiar a aristocracia passa a dar também importância à
parte da burguesia. As conquistas territoriais envolvem tanto os burgueses como a aristocracia e a própria Igreja.
Falcon destaca que o próprio termo antigo regime foi formulado pela Revolução Francesa que queria se posicionar perante estas formas de governo, demonstrando que hoje em dia fala-se em sociedade de corte. Por conseguinte a Revolução Francesa traz prerrogativas como a liberdade individual e a idéia de nacionalismo, prerrogativas estas que estendem-se para grande parte das outras sociedades.
As viagens de cunho exploratório ou mercantil são antecedentes de uma revolução econômica ocorrida no período da Idade Média, que faz renascer as cidade. Nos séculos XV/XVI a século XVIII a história do capitalismo comercial se destacou em dois grandes circuitos: o intra-europeu e o extra-europeu. “O desenvolvimento de cada um desses circuitos obedeceu a fatores e circunstâncias mais ou menos específicos, ligados a características próprias de suas formas de inserção no mercado internacional e também as variações conjunturais.” A expansão se dividiu em dois modelos, primeiro o Português, depois o espanhol; em seguida outras nações européias se dedicaram à conquista de colônias. Com o passar dos séculos as expedições se transformaram em expedições científicas ou filosóficas.
A Revolução Industrial Inglesa marca uma nova conjuntura mundial que o autor divide em duas partes: a primeira que vai do final do século XVIII a 1870, a era do capitalismo industrial e a segunda que vai de 1870 a 1914, a era do capitalismo imperialista. Na primeira fase se constrói a oposição cidade/campo, moderno/arcaico. Nasce também o conceito de história como mestra da vida. Luta-se pela liberdade, do aspecto econômico, político e social.
Na segunda parte há uma acirração do processo de expansão que não só ocorre em forma de conquista territorial, mas também num refinamento deste processo, o qual o autor se dedica a analisar, chamando a atenção para as Américas que frequentemente são esquecidas neste período, mas que sofreram com o processo de dominação imperialista.

terça-feira, 25 de março de 2008

Fichamento da introdução do livro Tudo que é Sólido Desmancha no Ar: A Aventura da Modernidade

Marshall Berman nasceu em 1940. Ele é atualmente professor distinto de ciência política na The City College of New York e professor de graduação no Center of the City University of New York, no qual ensina filosofia política e urbanismo. Os seus trabalhos seguem uma tradição humanista, marxista e filosófica,além disso discute tendências históricas com observações pessoais.
Por volta dos anos 90 escreveu este livro. A hipótese principal defendida é que a modernidade é algo em constante mutação e contradição. De acordo com sua argumentação ser moderno, é estar em constante desintegração e renovação perpétua, dificuldade e angústia, ambigüidade e contradição. Para ele “ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promove aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor, mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos.”
Neste trabalho ele critica a hipótese de pós modernidade e a visão foucaultiana na qual enclausura a modernidade para enaltecer o presente, pois vêem a “modernidade com variações torturantes em torno dos temas weberianos do cárcere de ferro e das inutilidades humanas, cujas almas foram moldadas para se adaptar as barras”. Neste trabalho ele também pretendeu explorar e mapear as tradições que surgiram na modernidade mostrando seu dinamismo e suas contradições.
O autor apresenta a problemática ponderando que podemos estudar a modernidade ou a vida moderna a partir de diversas fontes, como os avanços científicos que abrem espaço para discutirmos nossa atuação na Terra e no próprio universo; a industrialização que ao transformar tudo em tecnologia e em mercadoria, muda a maneira do homem encarar a sua própria vida e a do outro; as novas concentrações demográficas que tiraram as pessoas da vida campestre aglomerando-as na cidade, o que altera os meios de comunicação e a própria vida social; pelos estados nacionais, que lutavam politicamente e militarmente para expandir seus domínios e manter sua soberania e sua individualidade enquanto nação. Enfim podemos dizer que há diversos olhares que nos levam a compreender a modernidade.
Ele divide a modernidade em três fases:
1a fase - vai do início do século XVI até o fim do século XVIII. Neste período a modernidade estaria nascendo, ganhando forma e vocabulário próprio;
2a fase - começa em 1790 com a Revolução Francesa. Nesta fase começa a surgir a diferença entre modernismo e modernização. As pessoas vivem numa dicotomia de vida entre os valores da revolução e os valores antigos;
3a fase – começa no século XX o processo de modernização. Há uma expansão a níveis globais da cultura, arte e pensamento.
Berman nos elucida que o primeiro escritor a usar a palavra “moderna’ foi Jean Jacques Rousseau, num de seus romances que conta a história de um jovem que sai do campo para trabalhar na cidade e escreve cartas para seu amor deixado no campo. Nestas cartas conta a “agitação e turbulência, aturdimento psíquico e embriaguez, expansão das possibilidades de experiência e destruição das barreiras morais e dos compromissos pessoais...”, que é a atmosfera da modernidade.
O autor também analisa a modernidade de acordo com a visão de Nietzsche e Marx, apesar de esclarecer que é pouco comum associarem Marx a modernidade, ao passo que Nietzsche é aceito como uma fonte moderna.
De acordo com Berman, Marx queria que as pessoas sentissem o modernismo, para tanto usava figuras como abismos, terremotos, ou seja, queriam com isso passar uma intensidade que está ainda presente na arte de hoje. Marx também analisava a contrariedade da vida moderna, mostrando que apesar dos avanços científicos, industriais e tecnológicos, se agravou a concentração de renda na mão de poucos, a desgraça e a pobreza. Porém ao invés de ver negativamente o processo moderno, Marx mostra uma saída, que é a via operaria, a qual seria capaz de superar as contradições da modernidade, através de uma revolução. Para Berman o Manifesto, escrito por Marx indica como a revolução que destronaria a burguesia é gerada pelos próprios anseios desta mesma classe, ou seja, o maior inimigo do capitalista seria um outro capitalista, já que no afã de monopolizar os bens de produção e concentrar a renda, acabaria destruindo seus iguais, porém a modernidade está em mudança constante, deixando sem resposta o futuro.
Nietzsche também analisa como é contraditória as bases da modernidade, mas uma de suas análises é sobre a vida religiosa, demonstrando que o próprio impulso cristão de busca da verdade acabou por implodir a religião, gerando uma abundância de possibilidades religiosas. Como exemplo de uma obra desse cunho o autor cita Além do Bem e do Mal. Nietzsche levanta problemas, questões que ficam sem resposta. Tal como Marx ele acredita que um novo homem poderá criar novos valores, definindo melhor a sociedade.
Para o autor o modernismo do século XX comparado ao do século XIX, prosperou. As manifestações artísticas e literárias atingiram todas as partes do mundo, porém houve também uma maior separação entre a cultura pátria e a vida pessoal. As próprias manifestações artísticas se tornaram mercadoria, sendo destinadas ao consumo em massa a nível global.
Berman compara os pensadores do século XIX com os do século XX, fazendo uma crítica aos últimos, pois estes vêem a modernidade como algo fechado que não pode ser mudado ou transformado pelo homem moderno. Como exemplo desses pensadores, o autor cita os futuristas italianos. Estes separam a modernidade das “tradições’ anteriores, as quais são chamadas de escravidão, enquanto a modernidade é a liberdade. Eles exaltam o progresso; a máquina, quase transformando o homem num ser puramente racional, sem sentimentos, ou seja, numa maquina. A fábrica seria o lugar aonde se aprenderia o comportamento racional, o controle dos sentimentos, o respeito pelo coletivo, etc. Muitas dessas idéias futuristas foram apropriadas por Mussolini.
Um outro pensador analisado pelo autor é Max Weber. Este pensa o capitalismo através dos aspectos naturais do homem. Berman cita A Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo. Para o autor nesta obra Weber demonstra certo ceticismo em relação ao povo, e as classes dominantes para alterar a modernidade. Contudo essa idéia weberiana de povo foi adotada de maneira negativa, por alguns pensadores, tanto de direita como de esquerda, negando completamente a capacidade do povo de se autogovernar, necessitando para este fim de dirigentes, questionando desta forma a democracia.
Nos anos de 1960 houve um crescimento do pensamento em torno do modernismo. O autor define três tendências em relação ao modernismo; modernismo afirmativo, modernismo negativo e modernismo ausente.
O primeiro modernismo parece que “é uma tentativa de libertar os artistas modernos das impurezas e vulgaridades da vida moderna.” No entanto esse modernismo foi criticado, pois não se identificava com os anseios sociais ou mesmo com sentimentos pessoais. Assim no afã de se libertar acabou por se enclausurar. Ao mesmo tempo ocorreu um modernismo revolucionário que veio como combate à tradição, ele negava os valores, mas também não construía nada de novo. Esse modernismo não analisava a força “afirmativa e positiva em relação à vida que nos grandes modernistas vem sempre entrelaçada com a sublevação e a revolta: a alegria erótica, a beleza natural e a ternura humana.” Alguns viam na arte um ideal de sociedade moderna isento de inquietações.
A visão afirmativa do modernismo foi desenvolvida em 1960, ela queria juntar as artes encorajando escritores, pintores, etc a trabalharem juntos, criando novas formas de arte. Eles se designavam pós-modernistas. Porém estes modernistas nunca desenvolveram uma “perspectiva crítica que pudesse esclarecer até que ponto devia caminhar essa abertura para o mundo moderno e, até que ponto o artista moderno tem a obrigação de ver e denunciar os limites dos poderes deste mundo”.
Nos anos 70 houve um acirramento das diferenças, concentrando a sociedade em grupos fechados e isolados, sem que de fato esse isolamento precisasse acontecer. O tema da modernidade pareceu praticamente esquecido, a pós-modernidade surge com mais força.
Bermam mostra em sua obra que o modernismo do passado está presente na nossa forma de pensar hoje, que ele é dialético, autônomo, mutável. Ele nos ajuda a compreender a vida social de hoje e o dinamismo do mundo. Retornar a modernidade de antes pode nos ajudar a criticar a modernidade de hoje, bem como tentar superar seus dilemas.